Do baú do Mojica

A PRAGA

Ainda nos anos 1960, José Mojica Marins sonhou um dia que fora amaldiçoado por uma bruxa. O quadrinista Rubens F. Luchetti ouviu a história e transformou-a num episódio da série Além, Muito Além do Além, que Mojica apresentava na TV Bandeirantes, e mais tarde numa revista em quadrinhos. A saga de A Praga não parava por aí. Em 1980, Mojica resolveu filmá-la em Super 8, mas não concluiu as filmagens nem editou o material. Os rolos de filme não sonorizados foram encontrados em 2007 pelo produtor Eugenio Puppo, que se dispôs a seguir com o projeto. Gravou novas cenas, inclusive com o personagem Zé do Caixão comentando a trama, dublou os diálogos recorrendo a leitura labial e acrescentou trilha sonora e efeitos visuais.

A versão que agora chega aos cinemas, depois de passar pelos festivais de Sitges (Espanha) e do Rio, foi finalizada em 2021 e tem as marcas do que eu chamaria de regeneração pop: quando originais de má qualidade são recuperados numa lógica de ressignificação e homenagem. Dessa forma, as interpretações medíocres são enfatizadas pela dublagem cafona, e a pobreza das imagens é acentuada por efeitos de deterioração, pixelização, etc. O resgate faz com que o precário ganhe foros de grande curiosidade e estimule o riso cúmplice.

Quem sofre a praga no filme é Juvenal, gerente arrogante que desafia o sobrenatural. Durante um passeio com sua namorada, ele faz fotos de uma idosa, que se revela uma bruxa e lança-lhe uma maldição. Juvenal passa a ter pesadelos terríveis e desenvolve um desejo mórbido de comer carne crua – e não exatamente pela boca.

Como era de seu feitio, Mojica deu um jeito de inserir desajeitadas cenas eróticas em meio à história de terror. Mais constrangedor ainda é ver uma longa sequência em terreiro de candomblé onde não há um negro sequer, e o babalorixá é um branco fantasiado de indígena de festa infantil (foto acima).

O cinema de Mojica era mesmo híbrido e patético, sobretudo nos projetos mais improvisados. A iniciativa de retirar A Praga do baú de coisas inacabadas é louvável, mas nenhuma maquiagem iria disfarçar a indigência do original.

A Praga tem 47 minutos líquidos (afora créditos) e é complementado pelo curta A Última Praga de Mojica, que explicita o processo de resgate.

>> A Praga está nos cinemas.

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